As noites nunca são iguais mesmo para os que pouco reparam e para os que pensam que as estrelas, ainda estão ali. Naquele bar, apesar das pessoas se repetirem tanto em seus pedidos, gostos e gestos; apesar da reprise noturna de seus sonhos e de suas angustias mal disfarçadas e das explosões esporádicas, de qualquer alegria fulgaz, as noites eram notóriamente diferentes. O mesmo palco embaçado pela média luz e pela teimosia invariável do enredo. Ali estavam histórias com intensidades determinadas pelo poder do olhar. Eram tantas mesmas histórias diferentes para cada par de olhos e para o que mais estivesse disponível e com disposição de explorá-las. O bar man conhece cada um dos personagens e é capaz de acertar a personalidade do ser, inspirado nos indicios de preferências do cardápio. Quase os mesmos sabores, sempre. A mesma mesa, se possível. Tudo igual e tudo diferente. Tudo previsivel e inexplicadamente surpreendente. Assim eram as noites, no bar. Foi essa a impressão que ele tinha, até a noite que ela entrou naquele espaço noturno e à média luz, concedeu a clareza intensa. Holofotes sobre ela. Poderia ser mais uma história tão parecida e tão diferente pra cada jeito de olhar, mas especialmente essa tinha ares de singular. Ela chora no balcão a dor sangrada do amor perdido. Ela chora porque queria dizer adeus, mas a palavra se perdeu no entre abrir das portas que liberam o som e ela, não soube pra onde foi. Ainda se sente sufocada e engasgada pela palavra que nem está mais ali. Quer se livrar de tudo, inclusive das chaves da porta que se abrir, sabe o que encontrará por de trás.Quer se livrar do de trás, mas este parece mais dificil do que livrar-se das chaves. Há um lugar especial para elas, naquele bar. Para as pessoas que choram e para as chaves. Um depósito. O bar man passou a guardá-las. Sabe sobre cada uma. Sabe que não serão recolhidas, sabe que ninguém chegará para buscá-las. Porém, acreditou que não poderia livrar-se delas, sob a penalidade de impedir assim, que uma daquelas portas nunca mais se abrissem. Ele guardou a esperança de cada chave, ali no depositário, sem que os doadores soubessem. Contou a ela todas as histórias, cada uma de cada chave abandonada. Contou a dele. Escutou a dela. Por conta de sua indisposição ela deixou que ele sugerisse o gosto que ela provaria. Ele a serviu um gosto doce, que raramente alguém pedia. Era esse, sempre o doce que sobrava. Não havia nada de errado com o gosto doce, talvez houvesse algo de errado com os pedidos que se repetem fechando as portas para alguma novidade.O doce foi como a chave que abriu nela a vontade de fazer um caminho mais longo, naquela noite. Ela foi, não disse a ninguém pra onde, porque não sabia. Ele ficou exatamente no mesmo lugar, daquele palco que era o bar. Ficou porque ensinaram a ele, que quando se perdesse de alguém, deveria ficar imóvel, tanto quanto possível, porque assim seria mais provável o reencontro.Foram noites imóveis. Foram mais chaves depositadas. Foram mais histórias repetidas. Ela se foi como as estrelas, deixou suas chaves e deixou sua luz. Ele acredita que ela voltará, não pra buscar as chaves, nisso ele mantem a certeza de que nunca as recolhem, mas pra repetir o gosto doce, que ele continuará produzindo, prevenido pra quando a porta se abrir e ela outra vez chegar.
3 comentários:
E assim ele continuará....
gostei do gosto de suas palavras!!
Não posso deixar de apontar em letras minha observação. Gosto de ler blogs. Estes de bom gosto e boa escrita,mas...
Quem escreve bem, ama errado. Sei por mim.
Saudações!
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