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quinta-feira, 19 de março de 2009

O perigo mora ao lado!

Todos ouviram, leram, ficaram tristes, espantados e irados ao saber do caso da gravidez da menina de nove anos de idade. Gravidez consequente de muitos estupros cometidos pelo mesmo canalha: o padrasto. Por ironia, gravidez que veio para salvá-la da história de martirios, que viveu desde os seis anos de idade. Estando grávida, o que esteve oculto apareceu. Aquilo que talvez nunca se autorizasse a contar por medo, vergonha e pavor, veio à tona. Essa pequena grávida que como tantas outras mulheres da classe popular, quando grávidas, e somente quando grávidas, foi cuidada. E pensar que algumas, nem assim. A menina da história, conseguiu que nove anos depois, olhassem pra ela! O mundo descobriu sua existência sofrida. Esse é o mistério da vida. A gravidez veio como um grito, em dueto. Mas, seria breve, não duraria nove meses, isso é tempo demais para o frágil corpo de nove anos. Tempo demais para suportar três vidas, a dela e as dos gêmeos. E, seria nada, em termos de tempo, se fosse apenas para as vivências da infância. Prenhez que veio somente para libertar o grito. Ao mesmo tempo a salvação e a condenação, um anúncio do limite que foi ultrapassado e que nunca poderia ter sido. Estava posto. Interromper a gestação para salvar a vida da menina que agora, todos sabendo de sua história, talvez tenha a chance de experimentar um pouco da infância em uma nova vida. Na vida velha, ela não conheceu. Ela nascerá de novo? Até este ponto, a história teve uma vítima, um único vilão e um monte de gente descuidada.Nenhum deles ocupando o papel secundário. De repente, e sem imaginar que mais atônitos poderíamos ficar diante do caso, aparece o José Cardoso Sobrinho, representando a Santa Igreja Católica. Como pode a Santa Igreja Católica e seus "Dons" terem o "dom" de redirecionar os holofotes para si em momentos de caos absoluto? E isso, acontece enquanto o mundo desaba com mais outra desilusão, provocada pela decadência doentia do humano. A pedofilia existe! Ela pode ser ainda pior, mais assustadora e sinistra, quando aqueles que deveriam desempenhar a função cuidadora e apresentar a censura que protege, são eles, o próprio perigo. É nesse momento, em meio a dor coletiva, em meio aos pensamentos sobre pra onde caminha a humanidade e sobre o que nós, seres menos piores, faremos pra evitar que o caos se estabeleça de vez, que surge o pronunciamento do José e foi pra nos falar de excomunhão! José aparece na televisão, com cara suspeita, um riso lateral que não deveria estar ali, nem ele deveria estar ali, excomungando os médicos que salvaram a menina. Muito provavelmente, ninguém com lucidez suficiente, ainda que crente em Deus, estaria preocupado com a excomunhão feita pelo Zé. Ela não existe nem nunca existiu. Ela é coisa da Igreja, só cabe a ela, não é caso de opinião pública, não é pra nós. Nunca foi pronunciada por Deus. Deixa pro clero, isso não nos pertence. Nem queremos. Mas, José, não quis fazer pouco estardalhasso e foi bem além dos limites que separam as idéias da Igreja de nossas vidas progressistas e também foi além daquilo que a maior tolerância poderia suportar. José afirmou ser o estupro menos pecado do que o aborto. Que inabilidade a dele, que inabilidade a da Igreja! Mais uma vez!!! Daí, aparece mais um, também da Igreja e completa a mancada, dizendo que o caso da menina só precisava de cuidados médicos, a gravidez não precisaria ser interrompida se fosse cuidada. Não! Não, é piada! Mas, aliviem-se porque também não é verdade. Nem piada, nem verdade, é apenas e simplesmente o ridículo. Sabemos diariamente sobre os casos da saúde pública! Tantas mulheres que fizeram seus filhos por livre espontânea e prazerosa vontade, vêem interrompidas suas gestações, por falta de cuidado, por falta de vitamina, por falta de médico,por falta de leito, ou todas essas faltas e mais umas, que tornam presente em nossas rotinas, o desrespeito à vida. Não lembro do Zé ter falado sobre algum desses casos. Nem o Zé, nem outro qualquer de sua turma. Todos calados. O médico que se recusou a atender um menino de onze anos, que estava com Meningite, e por causa dela morreu, foi excomungado? Nem pelo Zé, nem pela medicina. E aquele que amputou a perna direita ao invés da esquerda?E aquele, e aquele... e aquele outro? Tantos!!! Pois é, Zé. E os padres pedófilos? Foram excomungados? Ops, pedofilia é menos que aborto. Pedofilia não tira a vida. Quem disse isso?Quem consumiu ou quem foi consumido? Excomungados só quem aborta e quem faz acontecer o aborto. Tudo isso já causa repúdio, nem precisa listar a proibição da camisinha, da pílula, do divórcio, da opção sexual, da pesquisa com as células tronco pra confirmarmos que a Santa Igreja, nada tem de progressista, nada tem para nós!Mas, por mim, tá bem! Só me incomodo é com a falsa da moralidade. Foi Drauzio Varella, sempre magnifico, que postulou o que é de quem: " enquanto a medicina busca a cura, o Clero Romano prega o sofrimento. Caminham em direções opostas". E em homenagem e respeito aos médicos de Pernambuco, declarou: 'Nossa profissão foi criada para aliviar o sofrimento humano; exatamente o que vocês fizeram dentro da lei ao interromper a prenhez gemelar numa criança franzina." "Os males que a igreja causa à sociedade em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicos, medida arbitrária de impacto desprezível. O verdadeiro perigo está em sua vocação secular para apoderar-se da maquinária do Estado, por meio do poder intimidatório exercido sobre nossos dirigentes". Ponto final. Disse tudo. E, em meio a tudo isso, eu permaneço aqui, lembrando da menina que não sabemos o nome. Como será que ela se sente agora? Mais segura, talvez! É provável. Que mulher está nascendo depois dessa experiência? Eu mantenho a esperança, de que ela tenha sim uma vida muito melhor, e isso me parece fácil, porque qualquer vida é melhor do que a que ela sobreviveu até agora. Mas, meu maior desejo, é que ela possa superar-se a cada dia, deixando pra trás a menina sem nome, para assumir-se como alguém que dispare, por todos os lugares, a legítima proteção à infância da menina, a infância do menino...anjos, sem sexo! Que seja ela, uma grande cuidadora dos filhos que terá por vonatade própria, um dia, e também de todos aqueles que nunca serão seus, mas estará alerta por eles, porque sabe: o perigo, mora ao lado!

Um comentário:

Susana disse...

Oi Fernanda, como está? E a Marina? Li tuas crônicas e tentei postar uma mensagem e não consegui pois abre caixas de dialogo que não compreendo...Tu consegue retirar daqui e colocar lá?
Pois achei MARAVILHOSA a crônica sobre a excomunhão, mistura a indignação com o cuidado do texto bem escrito e rico no enredo, acho que é isto, como se houvesse um ritmo ao ler, que não torna monotono e, realiza teu objetivo de fazer pensar sobre essas incoerências .Ao meu ver, o importante é que tu consegue trazer para um relato tão pessoal como a crônica, que é a narração de um fato do teu cotidiano, e o torna universal!A visita aos corpos dissecados tu consegue apontar para a reflexão do outro, e quem lê, é capaz de universalizar as questões de morbidez, geração nojo( a nossa!) e ética e estética, é verdade que essa linha é tenue e a legitimidade dessa exposição enquanto científica se torna mais interesante do que uma mera proposta artistica, muitas vezes destituida de sentido "chocar por chocar"...Me inclui como seguidora, eu e a Antonia tentamos mas não conseguimos! Beijos, Susana e Antonia